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Palavra do Bispo | Homilia - 2º semestre Faculdade Paulo VI

Homilia - 2º semestre Faculdade Paulo VI

O TESOURO ESCONDIDO

 

Moisés construiu o Santuário (Ex 40). Guiado por Deus, o povo de Israel se iniciou e se formou, conforme narra o livro do Gênesis. Contudo, contingências históricas o levaram para o Egito, a casa da escravidão. Por meio de Moisés, Deus liberta seu povo pela travessia do Mar Vermelho. A entrada no deserto marca o início de uma etapa que devia durar quarenta anos até chegar à terra prometida. Caminho cheio de percalços: fome, sede, serpentes venenosas, sofrimentos, mortes. Murmuração e incredulidade tomam conta e a idolatria é praticada.

 

Moisés, respeitosamente, se aproxima de Deus, com quem dialoga, levando em seguida o oráculo do Senhor ao povo. Próximo à chegada à terra prometida, organiza o culto e constrói o santuário, que abriga a tenda, o documento da aliança e a arca. A glória do Senhor se manifesta e invade o santuário. A presença do santuário denota a existência de um povo constituído e solidificado na fé de que Deus habita no meio de seu povo.  

 

Quão amável, ó Senhor, é vossa casa (Sl 83). Este salmo descreve a alegria do povo que Deus sustenta nos caminhos da História: “minha alma anseia pelos átrios do Senhor”; “felizes os que habitam vossa casa ... caminharão com um ardor sempre crescente”; “um só dia em vosso templo vale mais que milhares fora dele”; “prefiro estar no limiar de vossa casa”.

 

E assim, percorrendo os caminhos da história de Israel, passa-se da antiga à nova aliança. O reino de Israel prefigura a realidade do Reino de Deus anunciado por Jesus: reino de justiça e paz, reino universal. Anunciava através das parábolas. Assim se compreende quando Jesus afirma: “Por isso todo escriba que se torna discípulo do Reino dos Céus é semelhante a um pai de família que do seu tesouro tira coisas novas e velhas” (Mt 13,52).

 

Coisas antigas e novas. Assim se manifesta a sabedoria do reino de Deus, contida na antiga e na nova aliança. Pelas parábolas, Jesus revela a sabedoria do Pai, o Reino de Deus ou Reino dos Céus, pois comporta duas dimensões: uma é a dimensão histórica, imanente, no tempo presente, em que o trigo e joio crescem juntos e em que a rede colhe todo tipo de peixes, bons e maus. Outra é a dimensão transcendente, sobrenatural, escatológica, em que joio e trigo são separados (o trigo é recolhido e joio é queimado); em que os peixes bons são recolhidos e os peixes maus são jogados fora. No reino estão presentes a misericórdia e a justiça.

 

O Reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido no campo (13,44). E do tesouro do Reino de Deus se retiram coisas antigas e novas. Aqui também dois sentidos:

1. O primeiro sentido é o de TESOURO enquanto recipiente que contém os bens de valor; baú, cofre: os Magos, abrindo seus tesouros, adoraram o Menino (2,11); o homem bom tira do seu bom tesouro, coisas boas (agathá), enquanto o homem mau tira do seu mau tesouro, coisas más (ponerá) (12,35); o escriba que se torna discípulo tira do seu tesouro coisas novas e antigas (kainá kai ponerá) (13,52).

2. O segundo sentido é o de TESOURO entendido como os próprios bens de valor contidos no baú: não ajunteis (no grego: não entesoureis) tesouros na terra (6,19); ajuntai para vós tesouros nos céus (6,20); onde está teu tesouro, aí está teu coração (6,21); o Reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido no campo (13,44); se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e segue-me (19,21).

 

O Reino de Deus e o Sacerdócio de Cristo. Pelo mistério pascal, Cristo estabelece o novo santuário e o novo sacerdócio. “Ele é ministro do Santuário e da Tenda verdadeira, armada pelo Senhor” (Hb 8,2). O ritual da lei mosaica contém o santuário, o culto e o sacerdócio de Aarão. Estes “são cópia e sombra das realidades celestes, de acordo com a instituição divina recebida por Moisés, a fim de construir a Tenda” (Hb 8,5). No Reino da nova aliança, “Cristo possui um ministério superior. Pois é ele o mediador de uma aliança bem melhor” (Hb 8,6). Verificam-se aqui as “coisas novas” que o discípulo tira do tesouro do Reino de Deus.

 

A carta aos Hebreus ainda afirma que “a primeira aliança tinha, com efeito, um ritual para o culto e um templo terrestre” (Hb 9,1). Cristo é o sumo e eterno sacerdote fiel e misericordioso, segundo a ordem de Melquisedec. Por meio dele, “Deus nos arrancou do poder das trevas e nos transportou para o Reino de seu Filho amado, no qual temos a redenção” (Cl 1,13), “pois nele aprouve a Deus fazer habitar toda a Plenitude e reconciliar por ele todos os seres” (Cl 1,19,20).

 

A Igreja do Brasil, inspirada pelas diretrizes da ação evangelizadora, propõe, por meio dos bispos, que se instaure um processo de “iniciação à vida cristã” a partir de um “itinerário para formar discípulos missionários” (Doc. da CNBB 107). Tal um itinerário abrange importantes dimensões da vida dos batizados: o anúncio, entendido como a transmissão do querigma, a catequese nos diversos níveis e etapas e para os diferentes destinatários, a liturgia e a mistagogia (caminho para vivenciar sempre mais o insondável mistério de Deus).

 

Nesse processo, a iniciação cristã se explica como um itinerário para viver em Cristo. É um caminho que conduz a uma vivência cada vez mais autêntica na comunidade cristã. É um encontro com o Senhor na vida em sociedade, na fraternidade cristã, na participação da liturgia e na missão eclesial (n. 49). Propõe-se uma catequese e uma vivência de inspiração catecumenal, uma restauração adaptada do catecumenato da igreja primitiva.

 

A passagem do evangelho de João que narra o diálogo entre Jesus e a Samaritana torna-se um ícone bíblico que apresenta “um encontro com Jesus que muda a própria vida e atinge outras vidas, porque quem descobre essa presença salvadora não a guarda para si. Vai levá-la a outros” (n. 13).

 

O esforço para entender os sinais dos tempos proposto pelo Concílio Vaticano II (n. 49), desembocou, a partir da Conferência de Aparecida, num grande movimento de transformação missionária da Igreja, colocando em prática a acolhida, a misericórdia e a alegria (n. 51). A Diocese de Mogi das Cruzes caminhará nessa direção, contanto de modo particular com a Faculdade de Filosofia e Teologia. O esforço da comunidade acadêmica e a inspiração do Espírito Santo nortearão a busca da verdade e saciarão a sede de conhecimento e de sabedoria. “Quem beber da água que eu lhe darei, nunca mais terá sede” (Jo 4,14).

 

Deus abençoe e ilumine a todos!

 

Dom Pedro Luiz Stringhini

Mogi das Cruzes, 03 de agosto de 2017