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Palavra do Bispo | Homilia

Homilia

Saudação ao Exmo. Sr. Arcebispo, Dom Orlando Brandes. Gratidão a sua excelência por mais uma vez acolher, no Santuário, a Diocese de Mogi das Cruzes, em sua romaria anual.

 

Saudação ao Vigário Geral, Revmo. Mons. Antonio Robson Gonçalves e a todo o Clero (o bispo emérito Dom Paulo Mascarenhas Roxo, padres e diáconos da Diocese de Mogi das Cruzes).  

 

Saudação aos consagrados/as, seminaristas e romeiros da Diocese de Mogi das Cruzes que acompanham essa romaria pela TV Aparecida e demais meios de comunicação.  

 

Saudação aos milhares de irmãos e irmãs de todo o Brasil que rezam conosco neste momento.  

 

“Que alegria, quando ouvi que me disseram: ‘Vamos à casa do Senhor’!” (Salmo 121). Não haveria salmo mais apropriado para esse momento de ação de graças. Sim, é bom estar na casa da Mãe Aparecida! Dois motivos para o coração transbordar de alegria: a realização de mais uma romaria anual da Diocese de Mogi das Cruzes e a solenidade, no dia de hoje, 4 de julho, dos quarenta anos de dedicação desta basílica, fato que aconteceu em 4 de julho de 1980, na visita de São João Paulo II.  

 

Esta reflexão quer recordar os últimos Papas e seu olhar devoto à Virgem Maria sob o título de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. São Paulo VI, em 15 de agosto de 1967, enviou uma rosa de ouro para a Basílica de Aparecida. Foi um presente pelo Jubileu de 250 anos do encontro da Imagem nas águas do rio Paraíba do Sul.  

 

Já em março daquele ano, na Capela Sistina, com a presença do sr. Arcebispo, Cardeal Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, o Papa Paulo VI abençoou a rosa de ouro com a seguinte mensagem: “Dizei a todos os brasileiros, Senhor Cardeal, que esta flor é a expressão mais espontânea do afeto que temos por esse grande povo que nasceu sob o signo da Cruz. No Santuário de Aparecida, ela dará testemunho de nossa constante oração à Virgem Santíssima para que interceda junto do Seu Filho pelo progresso espiritual e material do Brasil”.  

 

Fez uma recomendação aos católicos do Brasil: “Nunca separeis Nossa Senhora de Cristo. Não se compreende a Mãe sem o Filho. (...) O culto de Maria é um culto introdutivo: vamos a Maria para chegarmos a Jesus. Amando Nossa Senhora deste modo, poderemos compreendê-la na sua real grandeza e, através dela, chegaremos a Cristo Filho de Deus”.  

 

E assim a cidade de Aparecida recebe esse presente pontifício. A Imagem da Senhora Aparecida, que permanecia na Basílica Velha, foi conduzida solenemente até a Basílica Nova, ainda em construção. Um helicóptero lançava pétalas de rosas sobre a multidão. A revista Ecos Marianos de 1968 registra a gratidão e o carinho dos brasileiros para com Papa Paulo VI com as seguintes palavras: “Aparecida prostra-se reverente aos pés de Sua Santidade, reconhecida por esse rico e carinhoso mimo, testemunho perene do seu amor e interesse para com o Brasil, e lembrança imorredoura do Santo Padre no coração do povo brasileiro.”  

 

Passam-se treze anos. E assim, no dia 4 de julho de 1980, tendo por arcebispo o mesmo cardeal Mota, o Papa João Paulo II visitou Aparecida, e consagrou esta nova igreja. João Paulo II inicia sua homilia com as palavras do canto “Viva a Mãe de Deus e nossa / sem pecado concebida! / Viva a Virgem Imaculada, / a Senhora Aparecida!”, lembrando que “desde que pus os pés em terra brasileira, nos vários pontos por onde passei, ouvi este cântico. Ele é, na ingenuidade e singeleza de suas palavras, um grito da alma, uma saudação, uma invocação cheia de filial devoção e confiança para com Aquela que, sendo verdadeira Mãe de Deus, nos foi dada por seu Filho Jesus no momento extremo da Sua vida para ser nossa Mãe”. “Eis a tua mãe!” (cf. Jo 19,26).  

 

Ele recorda que aqui, “naquele longínquo 1717, a Virgem marcou um encontro singular com a gente brasileira e com razão para aqui se voltam, desde então, os anseios desta gente; aqui pulsa, desde então, o coração católico do Brasil”.  

 

O Papa continua: “do primitivo e tosco oratório à Capela que o substituiu e aos vários e sucessivos acréscimos, até à Basílica antiga de 1908, os templos materiais aqui erguidos são sempre obra e símbolo da fé do povo brasileiro e do seu amor para com a Santíssima Virgem”. João Paulo II ainda recorda que, em 1904, Nossa Senhora da Conceição Aparecida foi solenemente coroada e que, em 1930, foi declarada Padroeira principal do Brasil.  

 

E cita “a imensa e corajosa tarefa que foi, durante anos de incessante trabalho, a construção do imponente edifício. E hoje, superadas não poucas dificuldades, a esplêndida realidade que podemos contemplar. A ela ficarão ligados muitos nomes de arquitetos e engenheiros, de humildes operários, de generosos benfeitores e de sacerdotes consagrados ao Santuário. Um nome se destaca entre todos e simboliza todos: o do meu irmão Cardeal Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, grande incentivador deste novo templo, casa materna e solar da Rainha, Nossa Senhora Aparecida”.  

 

Por fim, saúda os peregrinos que buscam os sacramentos da Igreja, sobretudo a reconciliação com Deus e o alimento eucarístico. E voltam revigorados e agradecidos à Senhora, Mãe de Deus e nossa.  

Passam-se vinte e sete anos e mais dois arcebispos – Dom Geraldo Maria de Morais Penido (1982-1995) e o Cardeal  Dom Aloísio Lorscheider (1995-2004) – até que, em maio de 2007, sendo arcebispo Dom Raimundo Damasceno Assis, o santuário recebe a visita do Papa Bento XVI, trazendo a segunda rosa de ouro. Aqui, Bento XVI fez a abertura da V Conferência do Episcopado Latino-americano, da qual resultou o precioso Documento de Aparecida e dele o belíssimo capítulo sobre “a piedade popular como lugar de encontro com Jesus Cristo”. O Santo Padre destacou que na “rica e profunda religiosidade popular aparece a alma dos povos latino-americanos”, e a apresentou como “o precioso tesouro da Igreja católica na América Latina” (Discurso inaugural 1). Convidou a promovê-la e a protegê-la, pois a piedade do povo “reflete uma sede de Deus que somente os pobres e simples podem conhecer” (Evangelii Nuntiandi 48)” (DAp. 258).  

 

O Documento de Aparecida destaca a riqueza espiritual das peregrinações, pois “ali o cristão celebra a alegria de se sentir imerso em meio a tantos irmãos, caminhando juntos para Deus que os espera. O próprio Cristo se faz peregrino e caminha ressuscitado entre os pobres. A decisão de caminhar em direção ao santuário já é uma confissão de fé, o caminhar é um verdadeiro canto de esperança e a chegada é um encontro de amor. O olhar do peregrino se deposita sobre uma imagem que simboliza a ternura e a proximidade de Deus. O amor se detém, contempla o silêncio, desfruta dele em silêncio. E se comove, derramando todo o peso de sua dor e de seus sonhos. A súplica sincera, que flui confiadamente, é a melhor expressão de um coração que renunciou à auto-suficiência, reconhecendo que sozinho, nada é possível. Um breve instante sintetiza uma viva experiência espiritual (El Santuario, presencia y profecia del Dios vivo”, L’Osservatore, Ed. em espanhol, 22, de 28 de maio de 1999) (DAp 259). Ou, citando a canção popular: “como eu não sei rezar, só queria mostrar meu olhar, meu olhar” ...  

 

E mais, “nos santuários, muitos peregrinos tomam decisões que marcam suas vidas. Suas paredes contêm muitas histórias de conversão, de perdão e de dons recebidos que milhões poderiam contar” (DAp 260).  

 

Chega-se a 2013! É a visita do Papa Francisco, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro. Ao episcopado brasileiro, ele afirma que “em Aparecida, Deus ofereceu ao Brasil a sua própria Mãe e deu também uma lição sobre Si mesmo, sobre o seu modo de ser e agir”. O Santo Padre medita sobre o acontecimento que deu origem à devoção, dizendo que “no início do evento que é Aparecida, está a busca dos pescadores pobres. Tanta fome e poucos recursos. As pessoas sempre precisam de pão”. Para isso, “há a labuta, talvez o cansaço, pela pesca, mas o resultado é escasso: uma decepção, um insucesso. Apesar dos esforços, as redes estão vazias”.  

 

Aí é que “Deus chega de uma maneira nova, porque Deus é surpresa: uma imagem de barro frágil, escurecida pelas águas do rio, envelhecida pelo tempo. Deus entra sempre nas vestes da pequenez”. Aqueles pescadores entendem o extraordinário sinal de Deus, recobram as forças e as esperanças, a pesca se torna abundante. Retornam para a casa levando os peixes e os pedaços da imagem quebrada. Vão reconstruir aquela imagem, em retribuição ao milagre de Deus, por intercessão daquela que, ao ser encontrada, reconstruíra sua esperança. Aqueles pobres pescadores tornam-se portadores do mistério de Deus. “O povo simples tem sempre espaço para abrigar o mistério ... Na casa dos pobres, Deus encontra sempre lugar”. É uma experiência parecida com a de Zaqueu, narrada no Evangelho de hoje (Lc 19,1-10). Zaqueu ouviu as palavras de Jesus: “hoje, eu devo ficar na tua casa” (Lc 19,5) e “recebeu Jesus com alegria” (v. 6), com surpresa e admiração, pois era-lhe inimaginável que ele fosse “hospedar-se na casa de um pecador” (v. 7), e com isso mereceu ouvir de Jesus: “hoje, a salvação entrou nessa casa” (v. 9).  

 

Há muito o que aprender com o gesto e o coração aberto de Zaqueu e dos pescadores, isto é, “vislumbrar uma Igreja que dá espaço ao mistério de Deus e que o acolhe em si mesma de modo que esse mistério possa encantar e atrair as pessoas. Somente a beleza de Deus pode atrair”. Por Maria, os pescadores tornam-se discípulos missionários, pois a missão nasce precisamente dessa fascinação divina, dessa maravilha do encontro” que desperta a fé. E “os pescadores cobrem o mistério da Virgem com o manto pobre da sua fé”.  

 

O tempo vai passando, chega-se a 2017: Aparecida e a Igreja inteira celebram festivamente os 300 anos do encontro da pequena imagem. Nessa ocasião, o Papa Francisco envia ao santuário, às mãos do arcebispo Dom Orlando Brandes, a terceira Rosa de Ouro e o santuário, revestido em sua totalidade do sagrado acabamento artístico, se apresenta com maior esplendor e beleza. Com o salmo de hoje, é justo e salutar render graças e proclamar: e afinal nossos pés já se detém em tuas portas, Jerusalém. “Somos ainda uma Igreja capaz de reconduzir a Jerusalém? Aí residem as nossas fontes: Escritura, Catequese, Sacramentos, Comunidade, amizade do Senhor, Maria e os Apóstolos”.  

 

A mensagem dos papas é sólida e provém da Palavra de Deus. A primeira leitura (1Rs 8,22-23.27-30) exalta a sabedoria do Rei Salomão, sábio construtor do templo. Contudo, com sincera humildade, coloca-se em oração: “Ó Senhor, Deus de Israel ... teus olhos estejam abertos noite e dia sobre esta casa, sobre o lugar do qual disseste: ‘Aqui estará o meu nome!’ ... Ouve a oração que o teu servo te faz neste lugar. Ouve as súplicas de teu servo e de teu povo Israel, quando aqui orarem. Escuta-os do alto da tua morada, no céu; escuta-os e perdoa!”.  

 

Na segunda leitura (1Cor 3,9c-11.16-17), o Apóstolo Paulo fala da Igreja como santuário edificado. Cristo aplicara a Simão Pedro essa imagem: “sobre essa pedra construirei a minha Igreja (Mt 16,18). O próprio Pedro compara os cristãos a pedras vivas de um edifício espiritual (1Pd 2,5). O Povo de Deus é a construção que se torna santuário e Templo do Espírito Santo: “vós sois a construção de Deus” (1Cor 3,9); “sois santuário de Deus e o Espírito de Deus mora em vós” (1Cor 3,16). O fundamento são os apóstolos e profetas e Cristo Jesus é a pedra angular (cf. Ef 2,20).  

 

Por tudo isso, infinitas graças, louvores e glória sejam dadas ao Deus único e verdadeiro, a Santíssima Trindade, presente neste santuário por meio de riquíssimas e incomensuráveis manifestações, privilegiadamente, a presença da Mãe do Verbo Encarnado, a Virgem Maria, a Senhora de Aparecida, e os santos e santas de Deus. Lugar de devoção mariana, este santuário é a Casa da Palavra, do Pão, da Caridade e da Missão. Do centro, o altar da Eucaristia irradia graça e vigor até o íntimo dos corações. Daqui, o coração da Mãe acolhe peregrinos e romeiros provindos das dioceses do Brasil, daqui sobe a uníssona e confiante prece: vossos olhos misericordiosos, a nós volvei!  

 

Ó Maria, amparai-nos e socorrei-nos nas lutas diárias e nos sofrimentos. Vós que sois saúde dos enfermos, intercedei pelo fim da pandemia! Abençoai os romeiros da Diocese de Mogi das Cruzes! Possa o Brasil, de que sois a padroeira, trilhar os caminhos da fraternidade, da justiça e da democracia. Velai, Mãe Aparecida, para que o sol da esperança, despontando do horizonte, brilhe e resplandeça para sempre. Amém. Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo! Para sempre seja louvado! Nossa Senhora Aparecida, rogai por nós!  

 

Dom Pedro Luiz Stringhini

Mogi das Cruzes, 04 de julho de 2020